Mar Cáspio ou Caatinga

Leo Raoni
3 min readJan 4, 2024

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04 de Janeiro de 2024.

Repito: 04 de Janeiro de 2024.

A gente começa tudo de novo, como todo mundo. O começo do ano é uma condição que iguala todo ser humano. “Ah, mas tem o ano novo chinês… e o Rosh Hashaná?”. Então, mas eu estou falando do nosso calendário, o que a gente usa no dia a dia pra lembrar que quarta é dia de feijoada, quinta é o dia que o caminhão de lixo passa na rua e sábado de manhã é o dia da feira. Esse calendário, que convencionou que estamos em 04 de Janeiro de 2024.

E parafraseando a cantante Kelly Key: “mais um ano chega e com ela a depressão”. Não digo que seja uma condição permanente, mas é o que eu chamo de “deprê do começo do ano”.

A sensação que tenho dos primeiros dias do ano é algo como ser deixado para trás, aos 8 anos, em uma rodoviária de uma cidadezinha do interior da Bahia. Nos anos 90. Sem um puto no bolso.

É um sentimento desolador, ver aquele ônibus Itapemirim fumegando na estrada e você, sem eira nem beira, correndo um pouco atrás dele, gritando “me espera, me espera” e se dando conta que ele não vai parar. E ele não para.

Eu sinto que esse tipo de deprê é geograficamente como a Caatinga. Em outras ciências, depressão é classificada como relevo. Chupinhando uma definição do Brasil Escola:

“Suas principais características estão relacionadas ao nível altimétrico (altitude) em que se encontram: costumam estar rebaixadas em relação às áreas que as limitam, podendo ser encontradas também abaixo do nível do mar. Sua superfície, apesar de plana, apresenta irregularidades, sendo, portanto, bastante acidentada e com inclinações. Esse tipo de paisagem é modelado por meio de processos de desgaste provocados por agentes erosivos que modelam o relevo.”

Um terreno acidentado, meio desgastado, inclinado, rebaixado. Ainda nesse tipo de classificação temos as depressões relativas e absolutas. Trocando em miúdos, a relativa está sempre comparada à altitude das áreas que a circunda, mas sempre acima do nível do mar, como a região da Caatinga. A absoluta, no entanto, apresenta altitude mais baixa que o nível do mar. A região do Mar Cáspio, por exemplo.

É essa sensação de caatinga (sem trocadilhos, por favor). É deprê, mas em comparação a outras grandezas, nem é tão deprê. Ainda tem o nível do mar no meio. E falando a real: quem é o mar pra definir o que é ou não depressão? Partindo do princípio que o aquecimento global está acelerado e que as calotas polares estão derretendo, aumentando o nível do mar, quantas depressões vão virar absolutas?

Acho que me perdi um pouco nas comparações. Ficou meio estranho.

Vou ficar com a ideia de uma criança perdida numa rodoviária no interior da Bahia. Melhor, né? Mais clean. Não menos preocupante. E é desesperador ficar num lugar desconhecido, uma mão na frente outra atrás, nem uma coca-cola pra dar uma refrescada nos pensamentos, no meio daquele calor.

O bom disso tudo é que passa. Nessa ilusão, a criança se acalma, pede ajuda pra um adulto responsável, espera o próximo ônibus, se reencontra com a mãe na próxima cidade. Se emocionam e seguem viagem. Passam pela região da Caatinga, aquele mormaço horroroso, e finalmente desembarcam na rodoviária, a poucos metros de uma praia. Botam o pé na areia e brincam com a água, no nível do mar.

04 de Janeiro de 2024.

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