Leo Raoni
3 min readJan 18, 2024

NÓS, OS FILHOS

Olá! Pra quem não me conhece eu sou o Leo. Leo Raoni. Tenho que explicar porque pra alguns lugares eu também sou o Leonardo Costa. Pra outros eu sou só o Raoni ou o Leo. Ou o Leo Raoni.

Nesse texto sou o Leo Raoni. E eu sou roteirista. Além de não saber como me identificar ou qual nome usar, também é difícil, por vezes, me afirmar como roteirista. Até porque esse trabalho vai muito além de uma inscrição na ABRA (você pagou sua semestralidade?) ou de um número de DRT no ministério do trabalho. Ser roteirista é um estado de espírito.

Digo isso porque a síndrome do impostor nessa área é batata de acontecer. É possível que no período de um ano ou mais você não veja na televisão ou na Sra. Tudum algo com a sua assinatura, com um risquinho de colaboração sequer. Talvez seja possível você não lograr em ter um projeto aprovado em edital ou em rodadas de negócios. E, ainda assim, no final do dia, em uma rodinha de conhecidos, quando perguntarem o que você faz, tem que reunir forças e falar: "Então, eu sou roteirista".

- E tem alguma coisa que você fez que eu possa ver?

Daí você desconversa:

- Semana passada eu consegui 100 coroas no Duolingo.

É que o nosso combalido audiovisual brasileiro não colabora. O nosso mercado é como um pai ausente, que aparece de vez em quando, faz uma compra do mês e acha que está cumprindo com o seu papel de pai. Nós somos os seus filhos, que sempre esperam que a situação vá melhorar, que papai vá voltar, trazendo presentes, e que nunca mais vá embora.

Mas ele vai e deixa a gente chupando o dedo. Não foi tão específico assim, tá tudo bem.

Segundo dados da ABRA, 35,2% dos roteiristas conseguem atuar exclusivamente como profissionais da área. Mais da metade são autônomos. É um mundo muito cruel.

Então, resta a nós, os filhos desamparados, sobreviver. E nisso, meu amigo, vale tudo. Um roteirista que se preze é como um equilibrista de circo. Munidos de nossa criatividade e de dedos em um notebook com uma versão desatualizada do CELTX, tentamos equilibrar os vários pratos de nossas vidas. Somos consultores, redatores, fazemos projetos, editamos, produzimos conteúdo, macramê, cinco estrelas no Uber, aulas de esperanto online... O mercado se canibaliza, quem tem prato não tem panela, muita gente fica faminto, e nossos irmãos continuam nascendo.

- Mas, papai, você prometeu!

Pode parecer uma cantilena atrasada ou até um chover no molhado. Mas é necessário procurar vias para tentar reformar o nosso audiovisual brasileiro. Seja por meio de um approach maior com produtoras e dessas com os canais/streamings; seja por força de lei, com dispositivos que façam com que nós consigamos trabalhar mais ou trabalhar, simplesmente. E que me afastem esses robôs, por favor!

É preciso ter estabilidade. Não é pedir demais. É apenas pensar que 64,8% também querem ser encarados como profissionais. A gente não vive só de estado de espírito.

Recuso-me a acreditar que o mercado esteja inchado. É a dieta que anda desbalanceada mesmo. A gente precisa se nutrir.