Não-REM

Leo Raoni
3 min readDec 21, 2023

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Geralmente eu durmo bem e me sinto bem ao acordar. São noites tranquilas e somente são perturbadas por uma ida ao banheiro ou um pesadelo deslocado. Dia desses sonhei com um ex-chefe voltando à sua posição de poder e dizendo “eu voltei”, me encarando com os olhos esbugalhados. Não era amedrontador, mas ainda assim ameaçador. Que estranho, não? Um pesadelo ser uma coisa tão real e pé no chão.

Esse ano eu descobri também uma palavra bonita chamada “higiene do sono”: não comer alimentos estimulantes, ficar fora das telas por um período antes de deitar, diminuir as luzes, os sons. Enfim, sonhar. Posso me considerar, no entanto, um privilegiado nesse aspecto porque fazendo tudo isso ou não eu durmo. Talvez eu não consiga arrumar o “espaço sonífero” e mesmo assim o meu corpo desaba em sua insalubridade dorsal.

Pelo menos umas duas vezes ao ano eu tenho insônia. Por ansiedade, por ter tomado um café às 20h30. Insalubre. E sim, é um sentimento horroroso. Quando penso na complexidade de estar vivo e de que a partir do momento em que somos “algo”, não paramos mais de existir, mesmo dormindo, e que isso pode durar 70, 90, 110 anos… É uma jornada em frenesi. Você já entendeu que quando você está dormindo, você está em frenesi? O seu cérebro e o seu corpo continuam produzindo imagens, sensações, respirando, se mexendo.

Eu acho que parei de roncar. Não sei. Você chegou a perceber? Ranger os dentes não. Eu ainda pressiono com força. Já acordei com dor de cabeça por causa disso, ou de lembrar de um sonho tenso e, por ser tenso, a força fez quebrar parte do meu dente canino. O do lado esquerdo, esquerdo da perspectiva de quem está dentro do corpo. Do meu. Já mordi minha língua inúmeras vezes nesse processo também. Acordava com a língua ferida, sem saber o motivo.

Eu usei aparelho por 7 anos, acredita?

E tem o terror noturno também. Isso é uma novidade, mas a pior delas. Não consigo mais dormir sem um pequeno feixe de luz, um abajurzinho infantil que seja. A minha consciência, traumatizada com não sei o quê, precisa (ainda que dormindo) saber que tem um pé na realidade. Então, se acordo no meio da noite e o ato de abrir os olhos não me tira do breu, a minha mente se confunde, se apavora e só volta à normalidade quando se faz a luz.

Isso me fez pensar muito sobre o medo da morte. Imaginar que morrer é viver sendo uma consciência no escuro, duvidando do que é aquilo, se é real, etéreo, sei lá… Eu preciso de uma luzinha que seja. Uma luz azul-bebê pra dizer, tá tudo bem. Você vive.

Quando eu era pequeno, os Cavaleiros do Zodíaco faziam um puta sucesso. Eu pedi pro meu pai, insisti, para que ele me desse um pôster. E ele me deu. Fiquei tão feliz! Ver aqueles homens desenhados em armaduras coloridas, caras de bravo, em posição de ataque. Colocamos o pôster na parede em que minha cama ficava encostada. Acordei no meio da noite e esquadrinhei o meu quarto. Quando me deparei com aquelas figuras sombrias querendo me atacar e tão próximas à cabeceira da minha cama não duvidei. No outro dia, meu pai tirou o pôster da parede. Eu gostava muito, mas me dava medo. Que estranho, gostar de algo que te dá medo.

Eu não percebi que você tava dormindo, desculpa!

Boa noite!

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