Palm d’or

Leo Raoni
3 min readFeb 1, 2024

--

Imagina ganhar uma Palma de Ouro? Grandona assim, uma mão espalmada grande, aberta, quase como um sinal de PARE ou de “Sou caretas, drogas bah!” Você lá na França, altos drinks, falando na rua “bonjour senhor!” e ele responde “bonjour!”. Daí você fala “você tá bem?” e ele “tô joia sim, oui!”.

Daí você vai lá numa loja de aluguel de roupa de debutante em Cannes, porque a gente sabe o preço de uma roupa chique, imagine na França. A Riachuelo da França deve estar pela hora da morte. Você chega na loja de aluguel e pergunta: “sivuplê, mon ami, je necessite de um frrraque. Um traje a rigô”. A atendente fazendo a aquela cara de que comeu e não gostou. E você acha mais prático só apontar pro terno que você quer e fazer o gesto de coçar o polegar no indicador.

E tout le monde esperando você ganhar a Palma de Ouro, né? Porque o pessoal já tá com as antenas ligadas de que você é o cara do momento. Você ainda esperando a 2º via do seu comprovante de cartão de crédito enquanto a galera já tá toda toda tirando foto na frente daquele mar bonito.

Uns ator ousado vão de camisa aberta, as atrizes com vestido de fenda olhando direto na lente. Diretor com folha sulfite A4 impressa escrito coisa de “abaixo a queimada das florestas”. É um negócio legal fazer protesto nesse dia. Dá um palanque, sai no mundo inteiro. Mas eu que não vou fazer. Vou protestar o que? Eu cheguei hoje, nem conheço ninguém.

Aí você cumprimenta todo mundo e começa o seu filme. Você nem tem ideia do que tá fazendo lá. Tudo o que você sabe de cinema você aprendeu vendo uns tutoriais no Youtube. Mas os especialistas dizem que você foi transgressor na linguagem. E você se pergunta:” porque eu filmei tudo numa câmera digital de 2005?” Minha mãe parcelou isso pra mim em 12 vezes na FAST SHOP do Center Norte no meu aniversário de 15 anos. Eu só tinha dinheiro pra isso. Pobreza é transgressora? Esses franceses são muito estranhos.

E o filme vai acontecendo, o pessoal vai rindo de algumas coisas que você achava que não era pra rir e ficam sérios quando você esboça um sorriso. Um filme de baixo orçamento sobre uma Mula Sem-Cabeça no Texas. Quem diria que dava pra emular o Texas em Ribeirão Pires. Quer dizer, parte do Texas. E parte de Ribeirão Pires. Tudo depende da vontade do espectador também. Eles entenderam mesmo? Entendendo ou não, o filme tá acabando e aí é o grande momento. A Palma de Ouro.

Os créditos sobem. Aplausos. Aplausos e mais aplausos. De pé. Um cameraman começa a focar a o seu rosto exageradamente. Até você sabe que não pode botar uma câmera tão perto assim. Será que foi tudo um acidente? É, os gringos curtem mesmo essa parada de gente de fora, câmera na mão e cem ideias na cabeça. Quem falou isso? Eu vi na parede de uma escola municipal. Foi o Jô Soares? Acho que foi o Jô Soares.

E os aplausos não param. Ficam lá, durando mó cota. Um minuto, dois. Clap clap clap. Três… clap clap clap clap. O pessoal aplaudindo por cinco minutos e aí é que você entende que a Palma de Ouro é pelo tempo de duração de Palma. O pessoal tem que aplaudir muito porque daí configura a Palma de Ouro.

Você mó felizão. Olha pro lado e vê um diretor famoso aplaudindo pra você. Não sabe bem quem é, só sabe que ele ganhou o “sertão regar”. Deve ser ligado com coisa de irrigação no nordeste francês. A seca pega todo mundo.

Chega a hora lá. Você sobe no palco. “Bonjour, bonjour, merci”. E te dão a porra de um GALHO DOURADO??? Você esse tempo todo pensando que ia ganhar uma mão espalmada em ouro, que é muito mais impactante, e você ganha um galho?

Galera não manja nada. Você fica com isso na cabeça e pensando “no futuro, eu vou fazer um prêmio de cinema que vai ser reconhecido no mundo inteiro. E ele vai ser uma mãozona dourada, fodasse”. Mas você pensa também que o galhinho é bonitinho até.

Imagina ganhar uma Palma de Ouro?

--

--