Tempo

Leo Raoni
3 min readDec 14, 2023

--

Às vezes, o sopro vem dos ares que permeiam a cabeça oca. De um texto já lido, de um samba corrido, de uma decepção, de uma inquietação.

Outras vezes, o sopro inquieto vem de um amigo, que graciosamente empresta o seu olhar, para que você possa enxergar novos horizontes, com outros filtros.

Imaginem, por exemplo, um relógio de ponteiros simples. Mas que os marcadores das horas, minutos e segundos conversam entre si. O que é o tempo para um relógio pregado na parede?

- Ele não anda?

- Fica quieto, cara, ele pode te ouvir.

- Eu não tô nem aí. Ei! Vovô! Você!

- Quem, eu?

- É, você mesmo, atarracadinho!

- Sim?

- Cê vai ficar parado, mesmo?

- Que péssimo jeito de começar uma conversa…

- Tô nem aí, Altão.

- Altão… Se eu sou o Altão você é o Magrelo.

- Que seja! Baixinho, tu não vai andar, não?

- Mas eu tô andando, Magrelo.

- Tá?

- Tô. Só que no meu tempo.

- Mas eu não vejo. Eu já dei voltas e voltas aqui e sempre te enxergo quase no mesmo lugar.

- Questão de perspectiva, Magrelo.

- Vê só, Magrelo? O Baixinho fala bem.

- Ah! Quer saber? Nem me importo. Eu sempre tô à frente de vocês.

- Amigo, isso não é uma corrida.

- Quem disse?

- Eu tô dizendo, Magrelo.

- Eu concordo com o Baixinho.

- Cê passa tanto tempo rodando que nem tem tempo pra entender o porquê de estar fazendo isso. São segundos, eu percebo. Quando vê, já foi.

- É isso aí!

- Por mais que o Altão concorde comigo, ele não fica muito pra trás.

- Mas eu consigo relevar: um minuto pode ser pouco, mas 59 minutos é bastante até.

- Essa conversa tá muito bonita, muito filosófica, mas eu quero saber: por que você é miúdo desse jeito?

- Não sei… Acho que eu não preciso ser alto pra apontar uma precisão de minutagem, nem magro e veloz pra apurar a exatidão de um segundo. A minha grandeza está em outra proporção.

- Se acha…

- Magina… Nessa escala eu não sou nada. Fora daqui tem tanta gente…

- Tipo quem?

- Os dias, os meses, os anos.

- As décadas!

- Sim, as décadas! E as centenas, os milênios e os milhões…

- De anos?

- Sim, Magrelo. E, na verdade, tudo é feito de nós, que estamos aqui. Fazemos parte de algo maior. Compomos esses irmãos gigantes, que não cabem nessa redominha, mas que de vez em quando aparecem nessa mesma parede, pregados e expostos, só esperando o tempo passar.

- Tempo, tempo, tempo!!! Você fica repetindo isso achando que eu sei o que é!

- Mas eu também não sei o que é direito. Eu só vejo passando e passando e passando…

- Quanto mistério. Mas eu gostei, E pensar que minutos atrás eu não te conhecia.

- E eu sempre te vi. Que bom que você me enxerga agora, menino. Temos muito tempo para conversar.

Obrigado pela provocação, João!

Aliás, sigam esse cara talentosíssimo, que fará a arte desse textinho (vou colocar outra provisória hehehe)

https://www.instagram.com/_eujaum/

--

--